A rota do bacalhau continua


Como esse prato é quase uma instituição por aqui, merece um segundo post inteirinho sobre ele. Escrito pela Fernanda Dias, minha companheira de Cafê, sobre o que eu falei aqui. Pra ver o que a gente anda comendo por Portugal, é só seguir @cafelisboeta no Instagram. E pra saber o que a Fê tem a dizer sobre bacalhau, é só continuar aqui mesmo:

"O bacalhau é uma designação para uma variedade de espécies de peixes. Na verdade, é um processo de salga (ou cura) cujo principal objetivo é a conservação do peixe.

O preferido pelos portugueses é o gadus morhua, também conhecido como bacalhau da Noruega. A sua principal característica é uma carne suculenta que se desfaz em lascas. O lombo é considerado o melhor corte, mas a posta também é bem boa! O bacalhau é um prato simples, ainda que seja caro e festivo.

Aqui em Portugal existem muitos pratos preparados com bacalhau e quase sempre acompanhado de batata, em diferentes versões. Eu prefiro o bacalhau inteiro porque só assim é possível sentir aquele molhadinho, tipo quiabo. Em geral, peço o "bacalhau à minhota", mas atenção: esse prato tem muitos homônimos e pode também atender pelo nome "à moda de (complete com o nome do restaurante)". Ele é frito e vem rodeado de batatas às rodelas (aka portuguesas). É muito bom!!!

O "bacalhau à lagareiro" é assado e com batatinhas também ao forno. A princípio, poderia ser considerada a versão light do meu predileto mas tem muito, MUITO azeite. Aliás, tudo "à lagareiro" é assim. Apesar das minhas preferências, um dos mais conhecidos é o "bacalhau à brás", presença garantida nas ementas portuguesas. Esse bacalhau é preparado desfiado com ovos e batata palha.

E com que vinho harmoniza? Dizem por aí que peixes devem ser servidos com vinho branco. O bacalhau eu acho melhor com tinto português. E como tenho uma alma aventureira, peço o tinto da casa. Para os abstêmios, acredito que água seja a melhor pedida.

Os bolinhos ou pastéis de bacalhau por aqui são servidos frios. Não acho que seja uma preferência. É mais prático fritar tudo de uma vez, logo cedo. Quentes, como no Brasil, são mais gostosos, mas pelo menos por aqui, sempre tem bacalhau de verdade no bolinho!

Meu lugar predileto pra comer bacalhau é o Bota Alta. O "bacalhau real" (à minhota) é perfeito! E o preço é ótimo.

O restaurante Laurentina (o da foto) também é uma boa opção. Indicado pelos nossos amigos Fernanda e Felipe, vive cheio de brasileiros e inclusive, devido à influência brasileira, os bolinhos são fritos na hora. Eles se reconhecem como o Rei do Bacalhau e basicamente oferecem todos os pratos imagináveis com o peixe. É mais caro que nos restaurante típicos daqui.

Em se tratando de bacalhau, as receitas são muitas e minha sugestão é ousar nas escolhas gastronômicas. O risco é quase zero. Sério."

Fernanda Dias

A rota do bacalhau

A primeira pergunta de 11 em cada 10 brasileiros que encontro ou recebo aqui é: Carol, onde é que eu encontro um bom bacalhau por aqui, hein?

É claro que chegar em Portugal com fome leva a esse tipo de pergunta. Tá no nosso imaginário e ganhou o nosso gosto. Brasileiros amam bacalhau, esse peixe que se tornou tradição em nossas casas e que, de tão especial, é geralmente servido em ocasiões raras. 

Bacalhau é o que há de mais básico na culinária portuguesa. E olha que ele nem existe por esses mares atlânticos. Eles gostam de frio e vivem nos mares do Norte e há muitos anos se tornou profissão e tradição portugueses irem pescar bacalhau pros lados de lá. Portugal sozinho consome 25% de todo bacalhau que se pesca no mundo e já ouvi por aí que é o prato principal de cerca de 300 dias no ano de grande parte das famílias. É como o nosso arroz e feijão e, da mesma forma, é uma instituição, sendo eles super exigentes com sabor e preparo.

Todo o peixe pode ser aproveitado. Nas lojas que vendem especificamente bacalhau, a gente encontra cestos só com línguas (sim, além de cabeça, ele tem língua), barbatanas e tudo o mais. E há receitas específicas pra que cada parte do peixe seja utilizada da melhor maneira. Por exemplo, no "bacalhau com natas" e no "bacalhau à brás" vão a parte mais fina do peixe desfiada. Já o lombo do bicho, que é a parte mais grossa e mais gostosa, é usado no "bacalhau com broa" e no "à minhota".

Apesar de não ser difícil encontrar um bacalhau delícia por aqui (a maioria dos que comi são melhores que o melhor bacalhau que já comi no Brasil) também não é como minha tia Edna imaginou: não, não são servidos dezenas de tipos de receitas de bacalhau em qualquer restaurante português. E Portugal não é só bacalhau não! Eles tem muito mais a oferecer em termos culinarísticos. Quem ler verá.

Sobre os bolinhos de bacalhau, nossos velhos conhecidos, aqui são chamados de pastéis de bacalhau e avisamos que pode acontecer uma certa decepção quando você pedir por eles. Não pelo sabor, mas pelo fato de que são frequentemente servidos frios. Fritos pela manhã, ficam expostos para a venda durante o dia, e isso faz toda a diferença. Pra quem achar a mistura de sabores interessante, recomendo o pastel de bacalhau recheado com queijo da Serra da Estrela, vendido numa lojinha que abriu recentemente na rua Augusta. Mas não esquece de perguntar se tá quentinho!

O meu bacalhau preferido é o "à lagareiro" que Leandro faz aqui em casa e sempre fica uma delícia! (Não conta pra nenhum português, mas ele usa o congelado!) Depois desse, o mais gostoso que provei foi o do Largo. Feito a 80 graus, uma temperatura bem baixa pra se assar qualquer coisa, inclusive bacalhau, além de bem molhadinho, a textura é ótima. Detalhes importantes: vem pouco e é caro. Bacalhau não é meu peixe preferido e eu posso ter sido influenciada pelo ambiente desse restaurante, que é super bonito e agradável, cheio de aquários com águas-vivas hipnotizantes. Fica aqui o registro de que minha opinião pode, então, não ser das mais honestas.

Como a pessoa que mais gosta de bacalhau nessa casa é o Leandro, teremos uma participação especial! Pra ele, o bacalhau com broa e grelos do Sacramento é o melhor q ele já comeu. Não só o peixe é de qualidade e está dessalgado na medida certa, como o restante dos temperos utilizados no prato dão o toque perfeito e harmônico. Ah, o chef é brasileiro.

Pra encerrar, mais algumas indicações de onde encontrar mais delícias com esse peixe. No Café Lisboa tem uns nuggets de bacalhau muito gostosinhos; a Taberna da Rua das Flores tem uma salada deliciosa chamada "meia desfeita de bacalhau", que leva além do peixe, ovo, cebola e grão de bico; o burguer de bacalhau com grelos em bolo do caco do Prego da Peixaria também vale o pedido. Esse da foto aí debaixo comemos num restaurante num lugar lindo, o Azenhas do Mar, e tava bem bom. E antes de ir embora, não deixe de passar em uma loja de conservas, ou no mercado, e comprar bacalhau enlatado. Pode apostar, é uma iguaria!

Esse assunto poderia render infinitamente, mas vai render só mais um post. Com as dicas da Fernanda, que é bem mais entendida do que eu.


Budapeste é sensacional

Faz um tempo eu queria conhecer essa cidade. O primeiro motivo de atração foi o seu nome, sem dúvida. Acho essa palavra muito sonora, engraçada e curiosa pelo fato de que foi formada pela simples junção entre as palavras que nomeavam duas cidades, cada uma de um lado do rio Danúbio, que se uniram pra formar a capital da Hungria. Eu ainda não sabia que tinha uma terceira cidade nessa fusão, Óbuda e hoje até penso que seria mais bonito ainda se fosse Óbudapeste, com um certo tom de drama teatral. De qualquer forma, já estava suficientemente atraída por muitas outras razões.

A Hungria é dona de uma história muito confusa cheia de altos muito altos e baixos muito baixos. Foi a segunda capital do império austro húngaro até o início do séc XX, quando este se dissolveu. E alguns anos mais tarde, viveu 2 regimes totalitários seguidos que trouxe muito sofrimento pra população.

Mas tudo isso fez com que ela seja o que é hoje. Seja na visão do ser humano individualmente, quer quando olhamos pra uma sociedade inteira, a nossa história é o que faz a gente, né. As marcas e lembranças estão dentro dos húngaros, mas eles são muito mais que isso. Foram só 3 dias, mas tivemos uma sensação muito agradável em lidar com eles e em ver como eles se tratam. Não percebemos qualquer peso. Em geral as pessoas muito simpáticas e solícitas. Mesmo quando não falavam inglês.

Leandro pegou um gosto pela língua húngara e eu acabei super influenciada. A verdade é que apesar de Chico Buarque falar que essa deve ser a língua falada pelo diabo, e eu não ser ninguém para discordar de Chico, achamos o húngaro falável, aprendível, com fonemas que nós brasileiros conseguimos repetir. Diferente de umas outras línguas por aí que prefiro não nomear e que ainda teríamos que lidar com. Achamos até gostosinha de ouvir! Depois do choque inicial com as tremas e acentos milhares, não é tão complicada assim. Tamo louco, gente?

Ficamos 3 dias inteiros por lá e eu achei um tempo ótimo, mas deu vontade de ficar mais sim. Quase sempre dá. Se paixão fosse escolha, Budapeste teria sido meu destino preferido nessa viagem. E esses são os motivos.


Buda: Nos hospedamos nesse apartamento maravilhoso, colado na Ópera, num ponto bem central em Peste, que fica do lado direito do Danúbio. Mas amamos atravessar a Széchenyi Lánchid (Ponte da Correntes) pra conhecer Buda. Do lado de lá tudo lindo: a Igreja de São Matias (Mátyás Templom) e suas telhas esmaltadas coloridas (acertei, Camille?), casinhas coloridas, música na praça, o Bastião dos Pescadores (Halászbástya) com seus arcos fotogênicos emoldurando a vista sobre o rio, o Parlamento e sobre o próprio bastião; árvores floridas. A primavera, aliás, trouxe uma atmosfera encantadora. Foi mágico andar pelos arredores do Castelo assistindo a chuva de flores de cerejeira caindo sobre a gente e forrando o chão de rosa, por conta do vento forte e gostoso que batia. Ficamos tão absorvidos por aquele momento que acabamos andando em círculo sem perceber e quando vimos estávamos no mesmo lugar de onde tínhamos saído. Perdidos e agradecidos.


Parque da cidade (Városliget): É uma enorme área verde bem no meio da cidade e lá dentro fica o Castelo Vajdahunyad, que foi construído para comemorar o milênio da Hungria e, justamente pra fazer referência à história do país, reúne vários estilos arquitetônicos num mesmo prédio. No centro dele, jardins cheios de tulipas. Raras e lindas, elas estavam ali aos montes enfeitando o cenário. A primavera é uma ótima época pra se conhecer qualquer lugar, mas eu amei ter escolhido justamente essa estação pra viajar pelo Leste Europeu. Do outro lado do parque, outro ponto alto de uma visita à Budapeste. Fomos conhecer os Banhos Termais Széchenyi, um dos mais famosos e antigos dessa que é a cidade com o maior sistema de águas termais do mundo e graças à dominação turca ganhou essa tradição. Foi muito relaxante (e até curativo) termos terminado o nosso dia por lá, pulando de piscina quente pra piscina fria pra piscina muito quente. Mas não deixa de ser muito engraçado, especialmente pra quem cresceu em Angra dos Reis, ver as pessoas se divertindo tanto no piscinão.


Comida: Provamos muitas delícias por lá e isso é essencial pra que eu goste verdadeiramente de um lugar. Goulash, salsichas várias, sopas com ovo pochê (paizinho fazendo comida austro-húngara lá em casa e eu nem sabia!), magret de pato (especialmente bom no Menza). Por todo lado vc vê langós, que é tipo uma pizza e o molho mais tipicamente usado é uma espécie de creme de leite ao invés de tomate. A gente experimentou uma(s) no Goszdu Udvar, uma ruazinha cheia de bares, restaurantes e cafés. No meio da tarde, capuccinos e doces deliciosos como o do Café Auguszt. E pra trazer as melhores lembranças de sempre, as que se comem, no Mercado Central encontramos uma oferta enorme de 2 produtos húngaros bem famosos: páprica e foie gras.

A rua: Budapeste é uma cidade pra se aproveitar o lado de fora. Adoro museus, mas a possibilidade de não ter compromissos e horários, só se encantar pelas coisas que iam aparecendo na nossa frente, é igualmente adorável. O tempo estava ótimo, então foi perfeito pra nossa intenção de andar e andar até cansar. No meio do caminho encontramos um piano disponível pra quem quisesse tocar e outro que virou vaso de flor. Vimos apresentação de balé contemporâneo bem em frente à Ópera. Paramos pra observar o Memorial "Sapatos à margem do Danúbio" e pensar o que devem ter sentido os judeus que tiveram que tirar seus sapatos antes de serem assassinados e terem seus corpos carregados pelo Danúbio gelado. Vimos pessoas fantasiadas e felizes andando de bicicleta num domingo de manhã.


Ruin pubs: Antes de chegar na cidade já tinha achado a ideia o máximo e chegando lá foi muito interessante ver isso de perto.  No início dos anos 2000, prédios e casas abandonados no centro da cidade começaram a ser habitados por bares e boates, trazendo gente e diversão pra uma atmosfera decadente. Pra combinar com tudo isso, os móveis e decoração trazidas pra esses lugares eram antes coisas que tinham sido descartadas por outras pessoas, dando nova função e uso a objetos que vieram do que chamamos lixo. É comum esse tipo de bar mudar de lugar ou fechar e abrir anos depois. Geralmente esses bares, como o Szimpla Kert, um dos mais famosos, ocupam um prédio inteiro e a exploração do lugar inclui passar por diversos ambientes com clima, cores e música diferentes. O Instant também é bem conhecido, mas apesar de por fora parecer bem "arruinado", por dentro é mais arrumadinho (um simples papel de parede já carateriza isso). A rua Kazinzy tem vários pubs super legais, entre ruin pubs e outros nem tão ruin assim, alguns em espaços abertos, que fecham no inverno, e visivelmente mais novos. Dava pra passar uma temporada em Budapeste só visitando os pubs de lá, que muitas vezes funcionam o dia inteiro.


Vi e não gostei: Horror House. A Horror House é famosíssima pelo que expõe e pelas críticas q sofre. Apesar disso, quando passamos lá em frente tive muita vontade de entrar. E acho q é isso mesmo q mais me incomodou por lá, a intenção de chamar atenção é muito grande e notória. O museu trata das décadas de horror vividas pela população do país de meados até o fim do século XX, em decorrência da II Guerra Mundial, nazismo e regime comunista que dominaram o cenário por lá. Não há dúvidas de que esse cenário foi extremamente cruel e triste. O que me incomodou foi os criadores daquele museu acharem que precisam colocar uma música de rock pesado pra fazer com que as pessoas sintam que o que aquele povo viveu foi realmente horroroso. Eu acho que esse assunto é suficientemente horroroso por si mesmo, não precisa de qualquer artifício pra colocar os observadores num determinado estado de tensão. Nas paredes, praticamente só se lia húngaro e isso também me distanciou da exposição.  Saí de lá como se não tivesse entrado e por isso me arrependi um pouco de ter perdido aquele tempo por ali.

Não vi e acho q gostaria de ter visto: Parlamento. Chegamos lá e ficamos um bom tempo observando e fotografando aquela construção lindíssima. Por dentro, pelas fotos, tudo parece lindo também, mas quando chegamos à bilheteria, descobrimos que aquele dia não haveria visitas porque estava acontecendo um evento especial lá dentro. Na próxima vez que formos a Budapeste procuraremos olhar com antecedência a agenda deles. Porque certamente haverá uma próxima vez.